Global Law Educa – Cursos de Direito Digital

STF começa a definir como fica a responsabilidade civil de provedores de internet

Regra do art. 19 do Marco Civil pode sofrer alteração. Conheça os casos que serão julgados
Foto: Antonio Augusto/STF (Coordenadoria de Imprensa do STF)

O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quarta-feira, 27/11/2024, dois recursos extraordinários (RE) e uma ação constitucional (arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF) que podem mudar os rumos da responsabilidade civil de provedores de aplicações no Brasil.

O artigo 19 do Marco Civil da Internet – regra instituída em 2014 e que, valorizando a liberdade de expressão, exige, para que um provedor de internet seja civilmente responsável pelo conteúdo publicado por terceiros, o descumprimento de ordem judicial específica determinando a remoção do material – está na berlinda e pode até mesmo ser julgado inconstitucional.

Uma decisão drástica como esta implicaria na mudança de regras já consolidadas no país, de modo que é provável que a Suprema Corte opte por criar atenuantes ou exceções à exigência de ordem judicial. Atualmente, apenas a chamada pornografia de vingança (do termo inglês porn revenge), leva à responsabilização caso o provedor de aplicações não remova o conteúdo após mera notificação da pessoa envolvida.

Para entender melhor o que está em discussão, é importante conhecer os casos que serão julgados. Neste primeiro artigo sobre o tema, trataremos dos dois recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida que servirão de leading cases para este tema.

O primeiro é o RE nº 1.057.258, da relatoria do ministro Luiz Fux. Este caso tem origem em Belo Horizonte, no ano de 2010. Uma professora de ensino médio descobriu que alguns de seus alunos criaram uma comunidade no antigo Orkut com seu nome e foto, intitulada “eu odeio a ____”. Chateada com a grande repercussão que o fato tomou, solicitou ao Google a remoção da comunidade.

Como a empresa nada fez, ajuizou ação indenizatória nos Juizados Especiais pedindo remoção liminar da comunidade e danos morais de R$ 21 mil. Inicialmente, seu pedido foi rejeitado e o Google informou não realizar monitoramento de sua rede social, ilegitimidade passiva e ausência de responsabilidade. Porém, a sentença foi procedente, determinando a remoção do conteúdo e fixando indenização de R$ 10 mil.

O recurso inominado do Google não teve sucesso, pois a Turma Recursal entendeu que a empresa deveria possuir “mecanismos aptos a impedir a publicação de conteúdos passíveis de ofender a imagem das pessoas”.

Por ser uma ação que tramitou nos Juizados Especiais Cíveis, não era cabível recurso especial para o STJ, de modo que a empresa interpôs recurso extraordinário ao STF, sustentando violação aos incisos II, IV, IX, XIV, XXXIII e XXXV do art. 5º e aos parágrafos 1º, 2º e 6º do art. 220, ambos da Constituição Federal.

No STF, foi reconhecida a repercussão geral, nos seguintes termos: “Tema 533 – Dever de empresa hospedeira de sítio na internet fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário”.

O segundo caso em julgamento é o RE 1.037.396, cujo relator é o ministro Dias Toffoli. Uma dona de casa de cidade do interior paulista foi alertada por parentes que havia um perfil no Facebook com seu nome e fotos que estava ofendendo gravemente amigos e familiares. As pessoas ofendidas passaram a tirar satisfação com a autora em sua casa.

Como ela sequer possuía conta naquela rede social, utilizou a ferramenta de remoção da própria plataforma, mas o perfil fake permaneceu no ar. Buscou então os Juizados Especiais Cíveis e pediu exclusão do perfil, danos morais de R$ 20 mil e fornecimento de dados para que pudesse identificar o responsável.

  Citado, o Facebook deletou o perfil, mas se defendeu alegando que a filial brasileira da empresa não poderia cumprir a ordem, somente o Facebook dos EUA ou da Irlanda, que só poderia fornecer os poucos dados que possuía e que era necessária ordem judicial para que removesse o conteúdo (o Marco Civil já estava em vigor).

Na origem, houve uma reviravolta. A sentença manteve a liminar de exclusão do perfil fake e determinou o fornecimento do IP (protocolo de internet) de acesso ao conteúdo, mas julgou improcedente a indenização. A Turma Recursal, por sua vez, afastou a obrigação de fornecimento do IP, mas fixou danos morais de R$ 10 mil pela prestação defeituosa do serviço.

Em seu recurso extraordinário, a empresa alega as mesmas inconstitucionalidades do caso anterior. No STF, também foi reconhecida a repercussão geral: “Tema 987 – Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros”.

Assim é que dois casos que podem ser considerados de pouca relevância e que de início devem ter passado despercebidos pelas empresas envolvidas e seus escritórios de advocacia, tornaram-se fundamentais e podem promover uma mudança sem precedentes na responsabilidade civil das plataformas de internet.

Traçando um paralelo, fica o alerta para as empresas que não dão a devida atenção aos pleitos de titulares de dados pessoais. O que pode começar como um pedido simples e de fácil resolução, tem potencial de – caso não atendido – gerar uma denúncia na ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) que leve a consequências muito mais sérias.

No próximo artigo, abordaremos a ADPF ajuizada pelo partido Cidadania e que tem por objeto as ordens judiciais de bloqueio do WhatsApp. Esta ação será julgada conjuntamente com os recursos tratados neste texto.

Inscreva-se para receber o nosso boletim de notícias