Na última semana, após pedido de vista do ministro Roberto Barroso nos dois recursos extraordinários em que é debatida a responsabilidade civil dos provedores de aplicações, o Supremo Tribunal Federal (STF) reiniciou o julgamento da ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 403, da relatoria do ministro Edson Fachin.
Para explicá-la, precisamos retornar aos anos de 2015 e 2016, época em que alguns juízes de varas criminais começaram a determinar o bloqueio do aplicativo de mensagens WhatsApp em todo Brasil em razão de descumprimento de ordens judiciais ligadas a entrega de dados de usuários e interceptação em tempo real das comunicações feitas pelo aplicativo.
Foram quatro os casos concretos e o bloqueio acabou sendo efetivado em três deles, o mais longo por aproximadamente 24 horas. Acontece que o WhatsApp já naquela época era um dos aplicativos mais populares do país, o que gerou intensa discussão sobre a proporcionalidade das medidas de bloqueio em âmbito nacional.
Então, em maio de 2016 o partido Cidadania ajuizou a ADPF contra uma dessas decisões, proferida pelo juiz da Vara Criminal de Lagarto, no Estado de Sergipe. Como à época aquela decisão já havia sido cassada, a liminar na ADPF foi deferida para suspender outra ordem de bloqueio, esta proveniente de uma das varas criminais de Duque de Caxias/RJ.
O julgamento colegiado teve início em 2020, com os dois primeiros votos no sentido de proibir tais ordens de bloqueio, conforme ata de julgamento:
“Após o voto do Ministro Edson Fachin (Relator), que julgava procedente o pedido formulado na arguição de descumprimento de preceito fundamental para declarar a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto tanto do inciso II do art. 7º, quanto do inciso III do art. 12 da Lei 12.965/2014, de modo a afastar qualquer interpretação do dispositivo que autorize ordem judicial que exija acesso excepcional a conteúdo de mensagem criptografada ponta-a-ponta ou que, por qualquer outro meio, enfraqueça a proteção criptográfica de aplicações da internet; e do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Ministro Relator, mas dava interpretação conforme à Constituição a esses dispositivos, pediu vista dos autos o Ministro Alexandre de Moraes”.
Embora o julgamento do mérito já tivesse se iniciado, neste ano de 2024 o ministro relator colocou a medida liminar para referendo do Plenário. O ministro Flávio Dino apresentou destaque ao voto do relator que referendava a liminar e o julgamento então foi transferido do plenário virtual para o plenário físico (presencial). E foi justamente o ministro Flávio Dino quem reiniciou o julgamento, dia 11 de dezembro passado.
Dino pontuou que decisões judiciais não podem se submeter à tecnologia(referindo-se à criptografia ponta-a-ponta), mas sim o contrário, a tecnologia é que deve estar adequada às leis e ordens judiciais. Embora estivesse para completar o raciocínio e votar no referendo da liminar, o ministro Alexandre de Moraes informou que pediria vista também da liminar e a traria para julgamento juntamente com o mérito da ADPF, de modo que o ministro Flávio Dino acabou não votando, optando por aguardar o voto-vista de Moraes.
Nesta quarta-feira dia 18/12, o julgamento será reiniciado com o voto-vista do ministro Barroso nos recursos extraordinários (explicamos detalhadamente cada um deles na coluna passada), de modo que o julgamento da ADPF provavelmente só terá continuidade no próximo ano.
Artigo 19 do Marco Civil da Internet
No julgamento que definirá o futuro da internet brasileira no que diz respeito à responsabilidade civil das grandes plataformas, o placar está dois a zero (votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux) pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil.
Ainda é cedo para dizer se a inconstitucionalidade prevalecerá, pois ainda restam nove votos a serem proferidos, mas é certo que a manutenção da regra atual do Marco Civil tal como se encontra está cada vez mais difícil. Um possível caminho pode ser a interpretação conforme do artigo 19, aumentando as hipóteses em que, para a remoção do conteúdo publicado por um terceiro, bastaria a notificação extrajudicial por parte do ofendido e não mais uma ordem judicial de remoção.
Para lembrar, os dois temas de repercussão geral em discussão no STF são os seguintes (grifos nossos):
“Tema 533 – Dever de empresa hospedeira de sítio na internet fiscalizar o conteúdo publicado e de retirá-lo do ar quando considerado ofensivo, sem intervenção do Judiciário” e
“Tema 987 – Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros”.